sexta-feira, 11 de maio de 2018

Oferta de 3,2 mil vagas para pessoas com deficiência só atrai 242 candidatos no Rio

Salário baixo e postos pouco atraentes são entraves para preencher cargos
Secretaria de Estado de Trabalho e Renda (Setrab) oferece vagas para pessoas com deficiência
POR MARCELLO CORRÊA
RIO - O país tem mais de 13 milhões de desempregados, mas no mercado de trabalho chegam a sobrar vagas que deveriam, por lei, ser preenchidas por pessoas

com deficiência. Só no Estado do Rio, segundo levantamento feito a pedido do GLOBO pela Secretaria de Estado de Trabalho e Renda (Setrab), foram oferecidas

3.270 oportunidades nos postos do Sine para esses trabalhadores entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2018, e só 242 se inscreveram para as seleções. Situação

semelhante é observada em plataformas de emprego on-line. Especialistas dizem que há candidatos nessas condições que querem trabalhar, mas falta plano

de carreira, os salários são baixos e há dificuldades de acesso aos locais de recrutamento para as pessoas com deficiência conseguirem emprego.

Desde 1991, empresas com pelo menos cem funcionários são obrigadas a cumprir cotas para pessoas com deficiência que variam de 2% a 5% do quadro, de acordo

com o porte. O percentual maior é para companhias com mais de mil empregados. Essa obrigação, no entanto, é sistematicamente descumprida. De acordo com

os dados mais recentes do Ministério do Trabalho, de 2016, o país deveria ter 724 mil empregados formais com deficiência naquele ano, mas só metade dessa

cota foi preenchida, aproximadamente 361 mil funcionários com carteira.

FISCALIZAÇÃO DEVE AUMENTAR

Desde 2013, a pasta fez 66.040 ações de fiscalização em todo o país. A expectativa é que o esforço para cumprir a lei aumente com a implantação do eSocial,

sistema que unifica a prestação de contas de empregadores. A ferramenta, que já é usada por empregadores domésticos, começou a ser adotada em janeiro por

companhias com faturamento superior a R$ 78 milhões. Em julho, passará a ser obrigatório para todas as empresas. Como a base de cadastro de empregados

será compartilhada, será possível checar se as vagas estão sendo preenchidas por pessoas com deficiência. A multa por descumprimento da exigência é de

no mínimo R$ 2.331,32 por vaga.

Para quem acompanha o tema, a impressão é que a fiscalização não é suficiente para garantir o acesso ao mercado. O secretário de Trabalho do Rio, Milton

Rattes de Aguiar, avalia que o levantamento da pasta indica que é preciso melhorar o perfil das vagas.

— Precisamos mudar na sociedade o paradigma de vagas para pessoas com deficiência. Afinal de contas, essas pessoas, como qualquer outra, têm seus sonhos.

E não é o mercado que vai dizer o que ele vai fazer — afirma o secretário.

Levantamento do site Vagas mostra quadro parecido. Nos últimos anos, o número de ofertas de trabalho para pessoas com deficiência na plataforma cresceu

constantemente. Em 2015, ano mais agudo da recessão, enquanto os anúncios para profissionais sem deficiência recuaram 16%, os voltados especificamente

para o cumprimento da cota avançaram 2%. Na avaliação de Rafael Urbano, da área de inteligência de negócios do Vagas, há um descasamento entre os interesses

dos candidatos e as ofertas das empresas:

— A maior reclamação das pessoas com deficiência é a falta de oportunidade para o perfil profissional delas, além de baixo salário e falta de plano de

carreira. As empresas se queixam de dificuldade de oferecer acessibilidade para acolher pessoas com deficiência. A questão também é de capacitação dos

gestores para lidar com isso.
Pesquisa da plataforma de anúncio de empregos Catho em parceria com a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e a consultoria i.Social mostra

que 88% dos profissionais de RH contratam pessoas com deficiência com foco unicamente no cumprimento da lei de cotas, o que compromete a qualidade das

vagas. A falta de conhecimento dos recrutadores também é um entrave. Outra pesquisa da plataforma constatou que 90% deles afirmam que não se sentem preparados

para o recrutamento de pessoas com deficiência.

A analista de recursos humanos Priscilla Macêdo, que tem deficiência, atua no recrutamento e diz que o aperto da fiscalização pode piorar esse quadro:


— Essas empresas estão correndo atrás, está uma loucura. Há muitas vagas part-time, não se sabe nem onde vão colocar a pessoa com deficiência. Esse crescimento

advém dessa corrida para preencher a cota. Só que não é nada estruturado, nada pensado.

Ela alerta ainda que muitas empresas anunciam vagas para pessoas com deficiência, mas fazem processos seletivos mistos. Ela avalia que, nesses casos, dificilmente

alguém com deficiência consegue ser contratado porque há preconceito.

RECRUTADOR RECLAMA DO PRECONCEITO

O subsecretário da Pessoa com Deficiência do Rio, Geraldo Nogueira, que também tem deficiência, diz que a cultura das empresas foi moldada por um mercado

em que profissionais com deficiência tinham, de fato, baixa qualificação. Mas a situação está mudando, diz:

— As empresas têm uma certa razão. É um público que agora está se qualificando. As pessoas com deficiência foram excluídas não só do mercado de trabalho,

mas das escolas, dos cursos de qualificação. O acesso só aumentou da última década para cá. Mas os empregadores também usam isso como desculpa para a fiscalização.


As consultorias especializadas em recolocar no mercado profissionais com algum tipo de deficiência, como a Page PCD, ramo da consultoria Page Personnel,

conseguiram aumentar em 30% a contratação de trabalhadores com esse perfil no primeiro trimestre deste ano, na comparação com 2017. Apesar do crescimento,

Marcelo Peixoto, gerente executivo da consultoria, observa que ainda há estigmas sociais que dificultam o acesso ao mercado de trabalho.

— Infelizmente acontece (preconceito) e credito muito à falta de informação. Em várias empresas, identificamos esforço do RH, mas quando um diretor vai

contratar um gerente, por exemplo, se um desses candidatos é uma pessoa com deficiência, via de regra se esse diretor não for devidamente orientado, muito

provavelmente vai escolher um candidato sem deficiência — afirma.

Peixoto trabalha apenas com profissionais de nível executivo, mas acrescenta que, no nível operacional, como o da maioria das vagas do Sine, há outro fator

que atrapalha: os baixos salários. A atratividade de vagas com esse perfil é comprometida principalmente porque fonte o globopessoas com deficiência têm
direito, por
lei, a receber o Benefício da Prestação Continuada (BPC), que equivale a um salário mínimo:

— Em muitos casos, quando a remuneração é muito baixa, o profissional acaba optando por não aceitar.

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