segunda-feira, 3 de outubro de 2016
As dificuldades para transformar Joinville em uma cidade inclusiva
Leonardo é estudante e depende do ônibus todos os dias, mas não encontra tecnologia inclusiva em Joinville
Foto: Salmo Duarte / Agencia RBS
Transitar nas ruas, usar o transporte coletivo, estudar, trabalhar, se divertir e ter acesso à informação parecem direitos básicos na vida de qualquer
cidadão, mas vivê-las pode representar um alto grau de dificuldade para as pessoas com deficiência. É por causa delas que foi criada a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), em vigor desde 2 de janeiro de 2016. Ela compreende regras e orientações para promover os direitos e liberdades
dos deficientes, e estabelece punições para atitudes discriminatórias contra essa parcela da população.
Em Joinville, dos 515.288 habitantes identificados no Censo de 2010 do IBGE, 23,9% tinham algum tipo de deficiência. São pessoas com diferentes tipos de
limitação que ganharam um instrumento de emancipação civil e social.
– Já existiam muitas leis que falavam sobre acessibilidade e inclusão, às vezes em forma de decreto, mas a LBI consolidou os nossos direitos. Agora, os
governantes podem ser processados por improbidade administrativa se não respeitá-los, por exemplo – afirma o presidente da Associação Joinvilense para
Integração dos Deficientes Visuais (Ajidevi), Paulo Sérgio Suldóvski, que participou de conferências durante a confecção do Estatuto.
Quase dez meses após a lei entrar em vigor, é fácil afirmar que Joinville ainda precisa evoluir em vários aspectos na transformação da cidade em um lugar
plenamente acessível. Além das dificuldades de mobilidade urbana, há entraves que só a sociedade pode resolver, ao desenvolver o senso de inclusão e compreender
as diferenças para evitar a discriminação e promover a igualdade no tratamento das pessoas com deficiência. É uma tarefa que as novas gerações começam
a aprender na escola, a evolução será gradativa.
Adaptar Joinville para que ela se torne uma cidade acessível e inclusiva significa, de certa forma, reconstruir uma cidade que não foi pensada para atender
às necessidades das pessoas com deficiência. Essa é a mesma realidade de todas as cidades do mundo, afirma o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Joinville (Ippuj), Vladimir Constante, e que começou a ser modificada há pouco tempo.
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Segundo ele, todas as obras públicas construídas nos últimos anos foram projetadas para serem acessíveis – bons exemplos são o Parque da Cidade e o Mirante.
No entanto, até o prédio da Prefeitura, que é relativamente recente (é de 1996), precisou passar por reformas para atender aos critérios de acessibilidade.
Entre as obras privadas, a dificuldade é a conscientização sobre a importância de elementos como piso tátil e meio-fio rebaixado com rampa de acesso para
cadeirante.
Sem barreiras para transitar
É com bom humor que o estudante de direito Leonardo Apolinário Inácio, 25 anos, vence as dificuldades que atividades comuns do dia a dia representam para
que ele possa viver com autonomia. Afinal, para quem não enxerga e utiliza a audição como base para saber se o ônibus está chegando no ponto, acenar vez
ou outra para o caminhão de lixo é um equívoco que pode ocorrer.
– Quando alguém me avisa que cometi esse erro eu brinco: “Ah, vai que ele está indo na mesma direção que eu” – conta.
A rotina de Leonardo é semelhante a da maioria dos universitários: sai de casa de manhã e só retorna à noite. Entre os dois momentos, estão o trabalho
como assessor institucional da Associação Joinvilense para Integração dos Deficientes Visuais (Ajidevi) e na ouvidoria do Hospital São José, e as aulas
da faculdade de Direito na Faculdade Cenecista de Joinville (FCJ) – onde é o primeiro aluno cego matriculado. Ele depende do ônibus ao menos duas vezes
por dia.
– Ele é o meu único meio de transporte e, para quem é cego, é muito utilizado, porque é necessário mesmo em espaços curtos, por segurança e porque é mais
rápido – diz.
Ainda que, em Joinville, a frota seja 85% adaptada para pessoas com deficiência, com piso rebaixado e elevador hidráulico, os cegos não se sentem contemplados:
ela atende a pessoas com mobilidade reduzida, mas não possui recursos para deficientes visuais. Por isso, para saber onde desembarcar em um trajeto que
não faz parte da rotina, os usuários dependem da boa vontade de outros passageiros ou do motorista. O mesmo acontece na hora de embarcar: nos pontos e
terminais, não há indicações acessíveis sobre as linhas, nem mesmo piso tátil nos terminais.
– Você precisa criar as próprias alternativas – lamenta Leonardo.
Há dois anos, a Ajidevi visitou São Carlos e Jaú, em São Paulo, com membros das empresas de transporte coletivo de Joinville, para conhecer as ferramentas
que os municípios haviam incorporado para atender a estas demandas. Mas elas são tecnologias caras e teriam que ser bancadas pela Prefeitura de Joinville
para funcionarem na cidade.
– Agora, em Joinville, temos o
Moovit, lançado na semana passada,
que é uma opção de acessibilidade. Ele é um aplicativo para o celular que pode ser usado com o leitor de tela pelo cego – afirma o presidente do Conselho
Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Marcus Faust.
O software, criado pela equipe de TI do sistema de transporte coletivo com apoio do Ippuj e da Seinfra, permite visualizar os pontos de parada no mapa,
consultar horários de viagens, itinerários e planejar deslocamentos com integrações entre linhas. Ele só funciona com internet e pode ser difícil para
usuários que não são acostumados a aplicativos, como os idosos.
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Inclusão no mercado de trabalho
Durante anos, o marceneiro Antônio Mauro de Mello, 61 anos, passou pela rua José Elias Giuliari, no bairro Boa Vista, em Joinville, para jogar futebol
no ginásio de esportes localizado no fim da rua. Nunca lançou o olhar à entidade filantrópica que ficava na calçada oposta até que, em 2009, um Acidente
Vascular Cerebral (AVC) fez com que ele perdesse os movimentos no lado esquerdo do corpo – e, consequentemente, também a liberdade para ir aonde quisesse
e para pequenos prazeres, como trabalhar com madeira e jogar futebol.
– Fiquei 70 e poucos dias internado e, quando saí do Hospital São José, pensei: “Meu Deus, minha vida acabou” – recorda ele.
Os primeiros anos após o AVC foram na cadeira de rodas, até que ele conseguisse se apoiar em uma bengala para voltar a caminhar. Quando isso aconteceu,
era hora de voltar também ao mercado de trabalho, mas as atividades de marcenaria já não eram mais uma opção. O jeito foi mudar o foco e até desenvolver
uma desinibição que ele não possuía: de marceneiro tímido, ele virou porteiro de instituição de ensino, função desempenhada por quatro anos. Em 2016, ao
ficar desempregado, levou apenas três meses para conseguir uma nova colocação, agora na entrada dos terminais urbanos.
— Eu até pude escolher entre três ofertas de emprego, e decidi por uma na qual eu possa crescer, ganhar uma promoção — afirma Antônio.
Segundo o capítulo 6 da LBI, a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade
de oportunidades com as demais pessoas, e isso inclui a participação e o acesso a benefícios como treinamentos, planos de carreira e promoções. Mas, ainda
que a contratação de pessoas com deficiência seja garantida por lei desde 1991, há empresas que não compreendem o significado da inclusão.
– Já perdi vaga porque perguntei qual era a possibilidade de promoção, e não entenderam. Então expliquei que a pessoa contratada para aquela função antes
de mim saiu em depressão, porque deram a ela uma mesa no canto e não passavam nenhum trabalho. Estava ali só para cumprir a cota, e não é o que eu queria
– avalia ele.
Antônio conseguiu emprego por meio do trabalho feito pela Associação dos Deficientes Físicos de Joinville (Adej), a mesma entidade que ele nem notava antes
de tornar-se uma pessoa com deficiência. Ele é feito pela assistente social Alessandra Sartori Silva, que cadastra os interessados em trabalhar e cruza
as informações com as vagas enviadas pelas empresas. Só nas últimas seis semanas, pelo menos sete associados foram integrados ao mercado de trabalho por
meio destas indicações.
– Alguns recebem aposentadoria por invalidez e ela é cancelada se a pessoa começa a trabalhar. Mas perdê-la não é o problema para eles, porque o que interessa
é a autoestima, é a sensação de ser útil para a sociedade – conta Alessandra.
O mesmo não acontece, no entanto, com as tentativas da Associação Joinvilense para Integração dos Deficientes Visuais (Ajidevi) de colaborar na contratação
de seus associados. Segundo o presidente, Paulo Sérgio Suldóvski, é comum ser procurado por empresas que querem muita qualificação profissional, por vezes
difícil de ser alcançada até por pessoas sem deficiência.
– Eles pedem a nossa assinatura em documentos para provar que tentaram contratar alguém, mas nunca chamam para as vagas que alegaram possuir – afirma Paulo.
fonte:diario catarinense
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