quarta-feira, 18 de maio de 2016

‘Novo’ cubaritmo ajuda cegos com matemática

Com deficiência visual desde os 10 anos, o aposentado mineiro Mário Alves de Oliveira, 68, sempre teve a teimosia e a persistência como traços marcantes. E foram essas características que o levaram a se dedicar por anos ao aprimoramento do cubaritmo – um equipamento tátil para o ensino das operações aritméticas fundamentais, indispensável para as crianças cegas nas primeiras séries escolares. O último censo escolar mostrou que a rede estadual de ensino mineira conta com 33.874 matrículas de educação especial em 2.892 escolas, conforme dados da Secretaria de Educação de Minas Gerais. Até a década de 70, o cubaritmo usado nas escolas era constituído por uma caixa de madeira retangular e quadriculada na parte de cima, onde eram fixadas as peças cúbicas móveis. Porém, como elas eram enumeradas em braile e em alto relevo, as peças tombavam com um simples toque, desfazendo todo o cálculo e dificultando o aprendizado. Por isso, Oliveira conta que, nos últimos anos, o cubaritmo acabou sendo substituído por uma espécie de calculadora milenar japonesa, conhecida como “soroban” ou “ábaco”, que também suporta todos os tipos de operações matemáticas, mas não trouxe a solução esperada. “O modelo é uma tábua com cinco hastes, com bolinhas que correm pra lá e pra cá. E é essa posição das contas que define o número. Trata-se de um método demasiadamente abstrato, estranho à nossa cultura e pouco acessível para os estudantes cegos, principalmente aqueles das primeiras séries”, critica. Além disso, Oliveira pondera o fato de o soroban exigir que os professores façam cursos para lidar com o equipamento, fato que não acontece com o cubaritmo. Então, assim que o aposentado, que aprendeu matemática usando o cubaritmo, ficou sabendo do possível abandono do aparelho, ele começou a pensar em possíveis melhorias para seu resgate. “Entrei em contato com alguns professores do meu tempo, e eles contaram que buscavam recuperar o cubaritmo”, lembra. Para que pudesse ser novamente usado, nos últimos três anos o aposentado testou e acrescentou algumas inovações significativas: aumentou o tamanho do cubo – de 9 mm de aresta para 12 mm –, e o número impresso nele passou a ser feito em baixo revelo, solucionando de vez o problema da estabilidade da fixação das peças. Depois de conseguir que uma fábrica produzisse dois exemplares experimentais por R$ 4.500, o modelo foi testado por cerca de 15 alunos do Instituto São Rafael, em Belo Horizonte. “O Mário conseguiu resolver os problemas do modelo antigo e dar estabilidade para o novo cubaritmo ser manuseado. Para usar o soroban, as crianças têm que ter mais abstração desde o início, e isso acaba dificultando o aprendizado e também a inclusão”, afirma o professor da escola, Antônio José de Paula. O aposentado, agora, busca empresas que tenham interesse em produzir o modelo. O cubaritmo já foi apresentado à secretária de Educação Especial do Estado de Minas, Ana Regina de Carvalho, mas, procurada pela reportagem, ela não foi encontrada, e a pasta não se posicionou. Soroban foi adaptado aqui Os primeiros sorobans introduzidos no Brasil vieram nas malas de imigrantes japoneses em 1908, quando o modelo ainda continha cinco contas da centenas, dezenas e unidades na parte inferior. Imigrantes que vieram após a Segunda Guerra Mundial é que trouxeram para o Brasil o soroban moderno, modelo usado até os dias atuais. Mesmo assim, ele precisou ser adaptado, pois a leveza e a mobilidade das contas nos eixos também dificultava a manipulação. Depoimento “Sou formado em direito e já fui microempreendedor. Tenho dois filhos, dois netos e sou casado com a Margarida, que também é cega e aposentada. Fiquei cego em dois acidentes durante brincadeiras de menino, um com 10 e outro com 12 anos. Até hoje não sei se sou azarado ou se foi uma fatalidade. A vida tem dessas coisas que a gente não sabe muito bem como explicar. Eu brincava com dois irmãos, cortando o galho de uma árvore no quintal de casa. O irmão do meio subiu e ficou cortando com o facão. Quando ele desceu, o galho fez uma curva de repente e se rompeu e, em um golpe, acertou meu olho direito. Dois anos depois, eu estava morando na casa dos meus avós e, um dia, brincando de faroeste no jardim da praça da cidade, corríamos em torno do coreto quando a vareta de um dos meninos acertou exatamente no meu outro olho. Desde a década de 60 trabalho pela inclusão. Sou teimoso, persistente. Para implantar a Central Braile dos Correios, que é um projeto meu, eu levei 20 anos para convencê-los que seria possível criar um sistema de transcrição de textos para outros alfabetos, como o braile, com toda a segurança jurídica, sem caracterizar violação de correspondência. A vida conduz os que querem ser conduzidos e arrasta os que não querem. Ou você abraça o que a vida te arruma ou você vai ser arrastado”. Fonte: site do Jornal O Tempo por Litza Mattos.

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