quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Turismo de aventura
Adriana Lage comenta as dificuldades de andar de cadeira de rodas em lugares sem acessibilidade.
Adriana Lage
Já recebi críticas quando disse que andar de cadeira de rodas em lugares sem acessibilidade me remetia ao turismo de aventura. Sinceramente, não é nada
fácil se equilibrar e manter os batimentos cardíacos em dia quando me deparo com rampas íngremes e calçadas esburacadas. Infelizmente, ainda não vivemos
em um país acessível. Os obstáculos arquitetônicos são muitos: rampas mal projetadas, escadas, buracos, postes/cestas de lixo/orelhões/mesas de bares/cavaletes
pela calçada... Também não podemos nos esquecer da falta de sinalização sonora, cardápios em braille, pessoas que falam a língua de sinais... Mesmo com
tantos avanços, o preconceito velado ainda insiste em dar o ar da graça. O jeito é ir lutando com garra e graça, dando o exemplo para que as pessoas percebam
a necessidade da acessibilidade em todos os campos. Hoje, vou dividir com meus leitores alguns apuros que passei por falta de acessibilidade no último
mês.
Rampa mal projetada
Mensalmente, realizo a manutenção do meu aparelho ortodôntico numa clínica próxima a minha casa. Aproveito que o caminho é tranquilo e vou de cadeira de
rodas motorizada. Desde que a PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) notificou o condomínio, eles começaram uma obra na calçada. Assim que observei a retirada
das "malditas" pedras portuguesas, pensei que a calçada ficaria acessível. Quando percebi que tinham construído uma rampa na esquina, fiquei feliz da vida
e louca para testá-la. Para conseguir subir na calçada, subia uma rua lateral até a primeira entrada de garagem, já que o degrau na entrada da clínica
é bem alto.
Como alegria de pobre dura pouco, no dia da consulta, passei apuros na rampa. Assim que tentei subí-la, a cadeira começou a deslizar e empacou. Só então
percebi que havia um desnível entre o asfalto e a entrada da rampa - há uma descida no asfalto, formando um degrau na entrada da rampa. Para completar,
a inclinação da rampa é extremamente íngreme. A sensação é de descer um degrau enorme. Só consegui subir a rampa com a ajuda da minha mãe e de uma mulher
que passava no momento. Tivemos que deixar a cadeira no manual. Elas empurraram no melhor estilo carrinho de milho verde na praia.
Quando comentei o fato com uma das donas da clínica, ela ficou indignada. De acordo com ela, a equipe contratada para a reforma da calçada foi orientada
sobre a necessidade da rampa, mas não cumpriu o planejado.
Tive que voltar ao velho caminho. As rampas de garagem não costumam ser nenhuma "Brastemp", mas são um coringa. Acho um absurdo e um certo pouco caso rampas
mal construídas. Por exemplo, cadeiras motorizadas não costumam ser projetadas para subir/descer, com segurança, inclinações superiores a 12 graus.
Quer construir uma rampa? A ABNT te ajuda com as medidas corretas. Rampa mal feita é mais perigosa e desconfortável que degrau!
Falta de rebaixamento nas calçadas
Aproveitei o sábado de carnaval para fazer os exames médicos do meu PCMSO. Fui, a pé, até um laboratório que fica em uma grande avenida próxima a minha
casa. No primeiro quarteirão da avenida, tive que dividir o asfalto com os carros até conseguir uma rampa. Impressionante a falta de educação das pessoas.
Só consegui subir na quarta rampa, já que as outras estavam ocupadas por carros.
Nos demais quarteirões, não existe rebaixamento nas calçadas. Como a altura é grande e a motorizada pesa 50 kg, tive que dividir o asfalto com os carros.
A sensação é horrorosa. Não sei se é falta de atenção ou maldade mesmo, mas alguns motoristas, mesmo me vendo com antecedência, tiram fininho de mim. Nessas
situações, peço ajuda ao meu anjo da guarda e acelero para chegar no destino o quanto antes.
Finalmente, quando cheguei ao laboratório, fiquei sem saber o que fazer: a rampa, bem íngreme, fica na lateral, numa rua de subida e bem movimentada. A
rampa do estacionamento, por sua vez, também é muito íngreme e esburacada. Achei mais prudente andar e procurar outra garagem para subir na calçada. Encontrei
uma floricultura. Detalhe: degrau pequeno na entrada da rampa. Aproveitei que três corredores estavam passando na calçada e me ofereceram ajuda. Um deles
carregou a parte de trás da cadeira e o outro a frente. Os rapazes ficaram indignados com a falta de acessibilidade.
Dentro do laboratório, tudo é acessível para cadeirantes. Pelo primeira vez, vi um local próprio pro cadeirante realizar a coleta dos exames de sangue.
Há um box vazio, com a sinalização de acessibilidade, no qual o cadeirante estaciona a cadeira de rodas. O atendente desce uma tábua e realiza os exames
em pé. Pena que, como o laboratório está em reforma, o box acessível estava ocupado por caixas. Tivemos que improvisar e utilizar aquele suporte móvel
para braço.
A atendente ficou sensibilizada com a dificuldade que tive para entrar no laboratório e iria reportar o caso para o chefe. Segundo ela, a PBH já notificou
o laboratório e, em breve, o acesso deverá ser modificado.
Falta de educação
Fui destacada para participar de um trabalho, na área de saúde do banco, no centro da cidade. Como precisava ir de cadeira motorizada, agendei um táxi
acessível. Engraçada demais a sensação de ser um ET motorizado. O povo nem disfarçava. Eram olhares curiosos, alguns de piedade, outros de desconfiança
pela cadeira... Acho o centro da capital mineira bem acessível. Temos, por exemplo, muitos rebaixamentos nas calçadas. Sem falar que a topografia ajuda.
O que mais me chamou atenção nas andanças pelo centro foi a falta de educação das pessoas. Estava chovendo e, mesmo com a cadeira ocupando um bom espaço,
fui atropelada algumas vezes. Quando fui subir a rampa da entrada do banco, parecia boliche. Confesso que deu vontade de passar um susto nos mal educados.
Custava não pular na frente da cadeira?
Logo que cheguei na porta de vidro que divide a agência das áreas meio, coloquei meu crachá. Fiquei boba quando o segurança me perguntou três vezes se
eu era funcionária e para qual andar iria. Gente, o crachá estava bem visível! Se não fosse da empresa, por quê estaria de crachá? Cada mané...
Como não existe cadeirante motorizado no prédio do banco, chamei atenção por onde passei. Achei difícil manobrar em elevadores cheios. Que falta faz um
retrovisor! Na saída, fui novamente brindada com a falta de educação. Assim que me aproximei da porta de saída, dois rapazes que iriam entrar, me esperaram.
Assim que movimentei meu joystick, uma louca apressada tentou pular na minha frente e sair junto comigo. Resultado: como dois corpos não conseguem ocupar
o mesmo lugar no espaço, dei uma "fechada" na mulher e fiz a figura me esperar. Caso contrário, seria atropelada.
Na hora de descer a rampa, mais gente pulando na minha frente. Não entendo essa necessidade! Tinha espaço suficiente para uma cadeirante descendo e pedestres
subindo. Fiz como o povo: acelerei e desci a rampa. Os apressadinhos tiveram que pular pra esquerda...
É claro que a necessidade nos faz realizar coisas até então impensáveis e a dominar nossos medos. Confesso que não é confortável andar em locais sem acessibilidade.
Se cada um fizesse a sua parte, o direito de ir e vir seria respeitado e nós, cadeirantes, não faríamos dos deslocamentos pelas ruas um verdadeiro turismo
de aventura.
¤
fonte>rede saci
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