segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Um pouco sobre a Baixa Visão

Texto de Manoel Negraes Manoel Negraes Entre os 15 e os 16 anos de idade, durante o acompanhamento oftalmológico de rotina, descobri que tenho uma doença degenerativa na retina que causa uma perda visual progressiva: a retinose pigmentar. Desde então, convivo com esta condição. Mas o que pretendo neste texto não é contar minha história de vida, muito menos falar de “superação” – como espera o senso comum – e sim descrever algumas características da baixa visão, sobretudo da minha, com o objetivo de difundir informação e combater o preconceito. O universo da baixa visão é muito variado e, segundo os especialistas, é formado por 80% das pessoas com deficiência visual. Isso mesmo, apenas 20% das pessoas com deficiência visual são cegas, sendo esta uma informação pouco conhecida. Assim, uma grande parte deste grupo apresenta características diversas, de acordo com o grau e o tipo de perda da visão. Só de retinose pigmentar existem mais de 100 tipos e cada um deles com vários graus de resíduo visual. Uma primeira informação sobre as pessoas com baixa visão é o fato de usarem ou não a bengala, instrumento que auxilia na locomoção, na autonomia e que, geralmente, é relacionado a uma pessoa que não enxerga nada. Eu, por exemplo, a utilizo, pois minha perda visual apresenta duas características que fazem necessário o seu uso. Primeira, minha retinose pigmentar atingiu mais a parte periférica da retina do que a central. Na prática consigo ver mais aquilo que está na minha frente do que aquilo que está no chão, correndo o risco de tropeçar bastante ou até mesmo cair em um buraco. Segunda, minha retinose pigmentar causa maior dificuldade de enxergar à noite ou em ambientes mais escuros, o que é conhecido como “cegueira noturna”. Portanto, a bengala se torna fundamental para a locomoção durante o tempo todo, mesmo eu tendo muito mais facilidade de ver e andar durante o dia do que durante a noite. A partir disso, outra informação sobre o grupo de pessoas com baixa visão é o fato de conseguirem enxergar mais do que as pessoas imaginam e, ao mesmo tempo, menos do que possa parecer. Alguns exemplos: durante o dia eu consigo ver um carro estacionado do outro lado da rua (sem identificar a marca ou a cor); consigo ver as outras pessoas (sem identificar quem é); mas posso não ver um degrau, um buraco, um poste, um galho de árvore. Posso ver a cor da camiseta de outra pessoa, mas posso não vê-la acenar ou piscar para mim. Posso ler um outdoor, mas não ler um panfleto. Enfim, tudo depende do contraste, da luminosidade, das cores, da distância, das formas etc. Além disso, muitas pessoas com baixa visão não aparentam ter uma perda visual, pois os olhos não apresentam deformidades, como é o meu caso, já que a degeneração ocorre nas retinas, que ficam no fundo dos olhos. Com isso, é comum a desconfiança constante das outras pessoas ao me verem andar com a bengala e, ao mesmo tempo, olhar para elas ao conversar ou desviar de objetos na rua. Conheço muitas pessoas com baixa visão que não precisam da bengala, mas também conheço muitas que precisam e não aceitam usá-la ou sentem medo e vergonha. Posso dizer, sem receio de errar, que esta desconfiança é um dos principais obstáculos para a aceitação da bengala. Desta desconfiança surgem ameaças e agressões verbais ou físicas – situações que experimento diversas vezes no cotidiano e que me fazem usar os óculos escuros sempre e, dessa maneira, “vestir” o papel social do “cego” tão esperado por todos. E para ilustrar mais ainda esta situação, cito o exemplo de um amigo advogado, que tem baixa visão e que precisa da bengala somente à noite. A desconfiança em relação a ele é constante, constrangedora e um obstáculo para o seu convívio social saudável, inclusive no seu bairro. Assim, antes de finalizar este texto, considero fundamental afirmar a importância da bengala e estimular o seu uso quando necessário nos casos de baixa visão. Ela constitui um símbolo historicamente negativo, carregado de preconceitos, mas que proporciona, principalmente, autonomia. E justamente por este motivo deve ser valorizada e vista como instrumento da inclusão e não da dependência e da pena. Portanto, deixo aqui, para finalizar, duas reflexões: uma em relação ao preconceito. Nem tudo é o que aparenta ser. Não julgue as pessoas com deficiência antes de conhecê-las a partir de estereótipos errôneos que infelizmente já estão cristalizados no imaginário popular. Na dúvida, pergunte, busque informação e colabore para esclarecer e eliminar atitudes preconceituosas. A outra é sobre a bengala, instrumento que, apesar de ser um estigma que gera atitudes, sentimentos e pensamentos que não colaboram para a inclusão efetiva, me proporcionou autonomia, melhorou minha auto-estima e que no dia-a-dia me serve como arma na guerrilha por um mundo que respeite as diferenças de cada um. Espero que todos um dia consigam enxergá-la desta forma, que todos a vejam simplesmente como mais uma característica da diversidade humana. Manoel Negraes, 32 anos, cientista social, trabalha na Mobilização Social da Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana (Manoel@unilehu.org.br) e no Minuto da Inclusão, projeto do MID – Comunicação e Cidadania (Manoel.mid@gmail.com). ¤ fonte:rede saci

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