domingo, 19 de maio de 2013

 Pessoas com deficiência ganham as passarelas da moda

Carina Queiroz, que desde os 18 anos utiliza uma cadeira de rodas para se locomover, hoje faz parte de uma agência de modelos. Thaís Seixas Salão iluminado, telões acesos e público ansioso pelo início do desfile. Nos bastidores, Carina Queiroz se prepara para mostrar sua desenvoltura na passarela. Este poderia ser um dia de trabalho comum para uma modelo, mas é apenas o início de uma história de superação. A protagonista, de 33 anos, desde os 18 utiliza uma cadeira de rodas para se locomover. Um acidente de carro, em 1998, a deixou paraplégica, mas não interrompeu seus sonhos pessoais e profissionais. Carina se formou em enfermagem e, atualmente, trabalha como gerente em uma instituição financeira de Salvador. Esta é a profissão que a "sustenta", mas a relação com os flashes permanece desde 2008, quando conheceu o trabalho da fotógrafa paulista Kica de Castro. A ideia inicial era fazer apenas um book mas, após uma viagem para São Paulo, Carina foi convidada para participar do casting de modelos da agência de Kica. Algum tempo depois do início da parceria, a enfermeira-modelo realizou seu primeiro trabalho: um desfile em uma feira de reabilitação de deficientes físicos na cidade de Goiânia, em Goiás. "Por ter sido uma coisa nova, foi o mais marcante de todos", relembra ela. A partir daí, participou de um desfile em João Pessoa, na Paraíba, e de campanhas em São Paulo, entre elas a mostra "Vidas em Cenas", que expôs em uma estação de metrô 15 imagens sobre o dia a dia de pessoas com deficiência. Com curadoria de Antônia Yamashita, a exposição - que após o metrô esteve em cartaz no Memorial da América Latina e na XII Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade - foi organizada a partir de uma linha do tempo, da infância até a terceira idade. As fotos mostravam pessoas com deficiência realizando atividades de lazer, trabalho, namoro e esporte, entre outras. Carina estava devidamente representada em uma das imagens, que retratava a cerimônia de seu casamento. A ideia de registrar o momento partiu da própria modelo. "Kica veio para Salvador como convidada e fotógrafa do meu casamento. O que eu gosto deste trabalho é que ela tem uma visão diferente, não são aquelas fotos básicas com pessoas com deficiência. No meu caso, a cadeira é um complemento e não chama mais atenção do que eu", explica Carina. Foto técnica x artística "Se uma modelo dita 'normal' fica fazendo caras e bocas em uma cadeira, então por que esta cadeira não pode ser a de rodas?". O questionamento parte da própria Kica de Castro, que é publicitária de formação mas sempre teve grande paixão pela fotografia, área em que se profissionalizou há 13 anos. Em 2002, ela aproveitou uma oportunidade de trabalho em um centro de reabilitação para deficientes físicos e passou a exercer a função de chefe do setor de fotografia. Apesar de estar na área que escolheu como profissão, Kica ainda não se sentia realizada, já que as fotos dos pacientes eram muito técnicas. "Não era agradável para mim nem para eles, porque as imagens eram feitas em roupas íntimas e algumas em nu. Eles ficavam constrangidos e eu não me sentia fotógrafa, porque tinha de me restringir às quatro posições globais: frente, costas e os dois lados. Os pacientes se comparavam a presidiários", explica Kica. Foi então que, após uma conversa com uma psicóloga do centro, a fotógrafa resolveu mudar a forma de atuação e tratar os pacientes de "igual para igual". No dia seguinte, foi à Rua 25 de Março - o maior centro comercial de rua do país - e comprou bijuterias, enfeites, espelhos, pentes, gel para cabelo, algumas revistas de moda e outras voltadas para o público adulto. Com o material disponível no estúdio improvisado, Kica passou a "quebrar o gelo" com os pacientes. "Quando eles chegavam ao setor, eu dizia que era um teste para um editorial de moda e mostrava as revistas. As pessoas passaram a ser mais receptivas, me procuravam para fazer books e indicavam os conhecidos", revela. Sem Photoshop Com o sucesso da nova empreitada, Kica montou uma agência dentro da instituição reunindo cinco modelos, que começaram a trabalhar em recepção de eventos. O negócio cresceu e os serviços passaram a ser solicitados por pessoas de outros estados, entre eles a baiana Carina. Um dos segredos da fotógrafa para produzir um bom trabalho e melhorar a autoestima dos modelos é aproveitar o ângulo e a maquiagem, sem manipular as imagens com o Photoshop. "Você tem que mostrar para a pessoa que ela tem que se cuidar. Quando você tem contato com a sua vaidade, isso te faz mais feliz e a foto transmite seu estado de espírito. A felicidade é a melhor maquiagem de uma fotografia", afirma. Atualmente, já com agência própria e 80 modelos espalhadas pelo país, Kica enfatiza que o mercado brasileiro ainda é muito incipiente, comparado a outros países. De acordo com ela, existem concursos de beleza para pessoas com deficiência na Alemanha e na Hungria, e até reality show na Inglaterra. "No Brasil, temos 46 milhões de consumidores com alguma deficiência, mas a publicidade ainda não chama estas pessoas para fazerem propaganda de shampoo ou de pasta de dente, por exemplo. Beleza e deficiência não são palavras opostas". No mercado de desfiles e editoriais de moda, no entanto, os modelos com todos os tipos de deficiência - físicas, motoras, visuais, intelectuais e auditivas - estão ganhando espaço, inclusive em um dos eventos mais importantes do país, o São Paulo Fashion Week. A fotógrafa ressalta que ainda não é possível ser apenas modelo, é necessário ter uma primeira profissão. A situação é ainda menos promissora na Bahia, onde ainda não há trabalhos deste tipo, de acordo com Carina. O aumento da visibilidade desta profissão possivelmente tiraria muitas enfermeiras do mercado, mas reuniria inúmeras modelos orgulhosas de se mostrarem para o público de moda. fonte Portal a tarde

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